Portal Capoeira

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

O mestre e sua função

Ao falarmos sobre capoeira é quase inevitável pensarmos logo na figura do mestre. O mestre que também é uma figura muito comum na maioria das manifestações das culturas populares de todo mundo, é aquele considerado o guardião da memória, da tradição, dos saberes e fazeres de uma determinada comunidade.

É aquele que é respeitado por todos como alguém que com o tempo foi assumindo essa função, herdada de outro mestre mais antigo que delegou a ele essa responsabilidade. Mas sobretudo, é aquele que é reconhecido pela sua comunidade como alguém que tem a sabedoria de exercer essa função. E esse reconhecimento é algo adquirido ao logo do tempo, pacientemente, mais ou menos na mesma época em que vão chegando também as rugas no rosto e os primeiros fios de cabelos brancos.

O verdadeiro mestre é aquele que não tem pressa, que sabe que o tempo é quem vai dar-lhe as condições de exercer essa função quase sagrada, com toda a sabedoria que ela exige. E é muito difícil que isso aconteça antes que esse sujeito tenha uma experiência de várias décadas envolvido com essa manifestação.

Por isso é que ele não pode queimar etapas, ser afoito e precipitado. “A fruta só dá no tempo”, como diria mestrePastinha, mas, no entanto, vemos hoje em dia uma disseminação de jovens capoeiristas na faixa dos 20 ou 30 anos, se auto-intitulando mestres de capoeira, que mal começam a adquirir experiência de vida, e já assumem a responsabilidade de exercer essa sagrada função de mestre perante jovens e adultos em todas as partes do mundo por onde a capoeira se espalhou.

Isso é preocupante, pois acaba ferindo alguns princípios muito valiosos da tradição e da ancestralidade da capoeira, que tem no mestre o seu principal veículo de transmissão e que se baseia, sobretudo, na experiência do mais velho, que é quem tem a autoridade e o reconhecimento para exercer tal função. Citando novamente o filósofo Vicente Ferreira Pastinha, ele dizia que “o mestre guarda segredos, mas não nega explicação”. A capoeira tem segredos, que só os mais velhos sabem decifrar. E é preciso muita paciência e sabedoria para alcançar essa condição.

Vivemos um tempo em que o mercado e a profissionalização do capoeirista, fazem com que sejam queimadas etapas muito importantes no processo de formação do mestre de capoeira. Muitas vezes a ganância e o desejo de lucro por parte de alguns grupos fazem acelerar demasiadamente esse ciclo, dando margem a uma proliferação de mestres de capoeira sem nenhum requisito, experiência, nem capacidade para exercer essa função, o que tem resultado num empobrecimento muito grande na capoeira que se tem visto por aí, mundo afora.

É preciso recuperar a dignidade da função do mestre de capoeira. Ele deve ser um exemplo de vida para seus discípulos, deve conhecer profundamente a capoeira em todos os seus aspectos, e não apenas ter a musculatura mais desenvolvida e ser aquele que salta mais alto. Tem que saber sentar e aconselhar com sabedoria àqueles que estão sob sua guarda, como faziam os velhos griôs* africanos.

Isso só se adquire com o tempo, com bastante tempo.

Fonte:Portalcapoeira.com

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Rabiscado por Rangel